Campeonato Brasileiro de Formula
2004
Long Distance
por Marcello Morrone
BRA 3 - DF
O último
dia do Brasileirão de Formula foi marcado
pela realização da esperada Volta à
Ilha de Fernando de Noronha. Tive a
oportunidade de estar no grupo que fez a
regata e realmente é só fazendo uma
travessia como essa para entender o que
passamos lá no meio.
Acordei mais uma vez às 6 da matina pra
ir pra praia pra arrumar a vela e
participar da reunião de timoneiros. O
clima era um pouco tenso em função da
segurança, já que do lado do Mar de Fora
a salvatagem é complicada e praticamente
só tem pedra com ondas fortes estourando,
se alguém quebrasse teria que ser feito
tudo muito rápido pra não termos
problemas.
Fomos largar mais ou menos ao meio-dia! A
volta teve que ter o percurso aumentado
por causa de uma determinação do IBAMA
de não passarmos na área do parque
marinho, tivemos que passar lá por fora.
O primeiro trecho da travessia era um popa
mais ou menos do tamanho de uma perna de
popa de regata normal, justamente para
sairmos da área do parque marinho.
Largamos (eu, Wilhelm, Paulão, Marc, Leo,
Vareja, Pablo, Coelho, Fabinho, Meu
Garoto) e a primeira impressão era que ia
ser muito difícil, as rajadas em torno de
15 nós, mas o mar ia ficando cada vez
maior. Montamos a bóia e entramos no
contravento para seguir pro Mar de Fora.
Esse contravento foi muito difícil, para
manter a prancha na água nas ondas
enormes e verticais a gente tinha que
ficar navegando o tempo todo com a prancha
e tava muito cansativo, isso com pouco
mais de 5 minutos de prova!! O que viria
pela frente??
Nesse contravento fomos acompanhados por dúzias
de peixes voadores que planavam na nossa
frente e davam um "jibe" antes
de mergulhar de novo. Cambamos mais duas
vezes antes de livramos da Ilha Rata e
apontarmos para a Ilha Seca. Nesse trecho
as ondas batem no costão de pedras e
voltam pro mar, fica muito mexido e às
vezes eu sentia minha prancha sendo jogada
de um lado pro outro de acordo com a
vontade do mar, comecei a entender o que
dizem nos livros sobre a força do oceano.
A CR colocou um barco em frente à Ilha
Seca para passarmos por trás dele (como
um gate) e ninguém conseguiu montar sem
cambar, mas essa hora que a água ficou
num tom indescritível, um azul muito
claro e forte, por alguns momentos não
consegui olhar pra frente, apenas pra
baixo, sem acreditar no que eu estava
vendo! Mais uma cambada e eu estava no
layline do barco.
Passei pelo barco decolando nas ondas, a
próxima perna era um través folgado até
a Ponta das Caracas e lá fomos nós, na
minha frente eu podia ver o Marc Conrad
que ultrapassava o Meu Garoto e, atrás de
mim, o Leo vinha no contravento. Esse
trecho foi o mais difícil, era muita onda
desencontrada e tive que fazer muita força
com o braço e pernas para manter a
prancha andando pra frente e sem saltar ou
embicar nas ondas, em poucos minutos eu só
conseguia ver, de vez em quando, o top da
vela do Meu Garoto e, quando olhava pra trás,
o top da vela do Leo. Pra piorar um pouco,
minha alça saiu (o único parafuso que eu
não tinha conferido!!) e eu achei que ia
ficar complicado! Nessa hora avistei um
cardume de golfinhos e eles foram me
acompanhando um bom trecho, a prancha
parecia que ia bater neles, mas os meus
companheiros de regata agora eram muito rápidos
e ágeis, alucinante! Eles foram me
distraindo todo o percurso mais difícil
e, quando eles sumiram, entrei no popa
rumo à Ponta da Sapata, para, de novo,
entrar no Mar de Dentro. Esse trecho de
popa foi muito divertido, o vento caiu um
pouco e as ondas agora não mais batiam na
ilha e voltavam, então os vagalhões
subiam debaixo da prancha e a gente
despencava lá de cima da parede de água
surfando, muito show!!
Agora era jibear no meio do oceano pra
contornar a ponta da ilha e voltar pra
"segurança" do Mar de Dentro,
entre aspas porque o mar fica liso, mas o
perigo pode ser ainda maior porque o vento
é terral! A Ponta da Sapata é um paredão
de uns 50 metros de altura e barra o
vento, só algumas rajadas passam de vez
em quando por ali. Vi o Meu Garoto boiando
lá na frente e consegui me aproximar um
pouco, o vento estava constante na minha
vela, mas, de repente, zerou ao ponto da
vela me empurrar pra trás quando passou
uma onda sob a prancha. Olhava pra trás e
o Leo e Vareja vindo, olhava pra frente e
o Meu Garoto planava de novo e na minha
vela nada! Entrou uma rajada, bombei,
planei um pouco, boiei, entrou outra,
bombei, planei mais um pouco, mas boiei de
novo. Aí eu vi aquela manchinha que a
gente gosta do mar encrespando a uns 50
metros de mim e foi só esperar mais um
pouco e ir embora de novo. Agora era um
contravento passando pela Baía dos
Golfinhos, Baía do Sancho, Baía dos
Porcos, Dois Irmãos, Praia do Quixaba,
Praia dos Americanos, Boldró.... a
prancha andava muito fácil agora, o mar
liso e o vento perfeito pra 11.0. De novo
os peixes voadores voltaram a velejar
comigo. A essa altura não existia mais
competição, o Meu Garoto na minha frente
e o Leo atrás, mas não tinha como um
chegar no outro. Passei um pouco da Ilha
da Conceição e o mar começou a
encrespar de novo, cambei pra voltar um
pouco mais pra perto da ilha para
conseguir mais velocidade na prancha. Sem
a alça, o bordo voltando tava meio
inseguro, mas deu pra ir. Cambei de novo e
já tava praticamente na raia onde foi o
campeonato. O último amigo que veio se
despedir foi uma tartaruga que mergulhou
quando cheguei perto, cambei mais uma vez
e já dava pra ver o porto e a festa no
catamarã do Homero Lacerda de um lado e
no mole de pedras do outro, com a galera
de BSB. Enfim, chegava na praia de novo!!!
Antes de mim chegaram o Wilhelm, Marc,
Pablo, Paulão e Meu Garoto, depois
chegaram o Leo, Vareja, Fabinho e Coelho.
A semana terminou com chave de ouro, em
tantos anos de windsurf, não pensei que
iria ficar tão contente e até emocionado
com tudo que eu vi na água e também fora
dela quando chegamos. Deu pra ver o quanto
somos pequenos diante da natureza e como
vale a pena ajudar a preservar lugares
como Fernando de Noronha para que outros
possam ter essas sensações que tivemos
hoje.
Tomara que no ano que vem a gente tenha
mais um evento em Noronha. Obrigado aos
organizadores (Homero, Marcelo e esposas)
por essa oportunidade!!!!!
Bons ventos,
Marcello Morrone
www.katanka.com.br
|